(imagem do google)
É sempre interessante viajar pelas aldeias, costumes, tradições e crenças da nossa região. É agradável encontrar vestígios de tradições, do que é genuíno, em conversa com o passado, os mais idosos, os grandes contadores de histórias.
Nesta breve viagem gostaria de realçar a importância de um passado que se vai perdendo num presente desinteressado e num futuro incerto, na tentativa de salvaguardar o valor de todo um património cultural que a nossa região encerra.
No que respeita ao património monumental, apesar da desfiguração física, cada vez mais abrangente, da maior parte das nossas aldeias, com reconstruções e novas construções, há ainda resquícios que nos transportam às tradições populares regionais – os pelourinhos, as igrejas com o seu adro e toque característico dos sinos, as capelas, os terreiros, as fontes e chafarizes, os fornos, os coretos, as pipas, as janelas de madeira com portadas para dentro, a roda da azenha, as capoeiras, entre outros.
A circundar as aldeias da Cova da Beira, temos o verde da Serra da Gardunha, os cerejais, as giestas, o rio Zêzere, os riachos, as ribeiras, as aves, o gado que pasta, os aromas telúricos, que continuam a embelezar a nossa região e a torná-la tão especial.
Entrando em casas mais antigas, em conversa com os mais idosos, se recuperam tradições, quer a nível da construção, quer no que respeita a crenças e tradições.
As casas tinham, normalmente, a loja no primeiro piso, onde se guardavam as pipas de vinho, o tanque onde se pisavam as uvas, as panelas de azeite, o milho para debulhar em grupo de família, amigos e vizinhos. No primeiro piso os quartos, onde dormiam imensos filhos, a varanda repleta de vasos com legumes para transplantar, salsa, roseiras, cravos e sardinheiras, tábuas onde se secavam frutas para o inverno. Nas cozinhas, parte principal das casas, a lareira, o fogão a lenha, as paredes negras e fuliginosas, era onde se fritavam as filhoses, se faziam e penduravam os enchidos em traves para o fumeiro, se coziam as morcelas e se faziam os queijos de leite de cabra. As refeições eram feitas à base de legumes, em grandes travessas das quais comia toda a família. No meio da lareira, a panela de ferro e em redor os bancos baixinhos de madeira, nos quais se sentava toda a família, em conversa, desde os assuntos mais práticos, como a distribuição de tarefas para o dia seguinte, até às anedotas e histórias reais ou ficcionais, funcionando como uma autêntica escola para os mais novos.
No terceiro piso, os sótãos, repletos de lenha, cachos de uvas a secar, ramos de cebolas, batatas e outros alimentos. Também aqui funcionava a casa de banho, só mais tarde construída com o aproveitamento do espaço de um dos quartos, em metades de pequenas pipas ou bacias, que se despejavam nos quintais ou tapadas.
Viajando pelas tradições, encontramos, no Natal, a Missa do Galo e os madeiros nos adros; na Páscoa, a recepção do Senhor, em que o padre se fazia acompanhar de um crucifixo a todas as casas, para que beijassem o Senhor, por entre uma mesa posta com iguarias da época e da região e velas acesas para iluminar o caminho do Senhor e libertar as casas do mau-olhado. Entre as tradições se contam também as superstições e as crenças; as rendas e os bordados em torno da lareira ou na varanda em conversa com as vizinhas; as procissões com as colchas nas janelas; a banda de música; as tascas; as festas populares, normalmente de carácter religioso; a concertina, com a qual os rapazotes desfilavam pelas ruas em cantorias; os bombos; o lavar das roupas nos rios, ribeiras e riachos; a educação dos filhos a cargo dos pais, a das filhas a cargo das mães; o apego à terra, aos trabalhos agrícolas, que aprendiam desde a infância; a delicadeza no trato dos pais por parte dos filhos, que pediam a benção e os chamavam de “meu pai” e “minha mãe”.
Se hoje a tendência é apagar a chama das lareiras com a frieza e perda até das relações familiares, com ela se apaga a chama da família, a estabilidade familiar, a escola familiar, as memórias. Enfim, as tradições populares regionais.
Célia Gil